Eu não gosto de usar máscaras faciais. Elas embaçam os meus óculos de sol e fazem minha barba coçar. Também é difícil de ser entendido quando se fala por elas. E é quase impossível compreender as expressões faciais das pessoas, que sempre adicionam uma textura vital para as conversas. Tenho uma coleção crescente de máscaras, mas nenhuma delas se encaixa direito no meu rosto, não sei onde guardar elas, e até as mais estilosas são meio estranhas. Mais do que isso, elas também nos impedem de esquecer a realidade depressiva de que o Covid-19 ainda está por perto; elas são um lembrete sempre presente de que o mundo que conhecíamos até fevereiro ficou pra atrás.
Eu também odeio o fato de que as máscaras se tornaram um símbolo de divisão política. Agora, os mascarados e os não-mascarados sempre acham o pior uns dos outros: para uns, os que usam as máscaras são gente de boa condição que está amedrontada por nada; e para os outros, os que as evitam odeiam a ciência e preferem que a vó morra antes de perder a liberdade. É algo até bobo que tenhamos chegado ao ponto de politizar máscaras. Mas não estou surpreso com isso. Tudo em nossos mundo hoje em dia está politizado: de comerciais de perfume até Harry Potter (faz parte da cultura do cancelamento). Então, é claro que as máscaras seriam politizadas, especialmente quando o próprio presidente politiza as mesmas.
Também entendo por que politizamos tão rápido as máscaras. Vivemos encarados por uma avalanche de informações (algumas tão rápidas que nem podemos processar), com especialistas em constante conflito, e com inconsistências e hipocrisia de parte de líderes governamentais. Por isso, é mais fácil escolher o lado do partido ao qual já pertencemos. E também suspeito que o aumento do tribalismo pelo mundo tem muito a ver com a exaustão mental de viver em um tempo onde existe gula por informação, e onde é mais fácil escolher um grupo ou outro. Para a maioria de nós, apreciar de forma matizada e independente a montanha de assuntos complexos não é realista para cérebros já cheios de preocupações.
É importante, entretanto, que os cristãos possam se desvencilhar do partidarismo político e pensar através do que a nossa fé nos chama a fazer quanto a vestir ou não as máscaras. O que aconteceria se a nossa visão das máscaras fosse mais moldada pela nossa identidade cristã do que pela nossa identidade política? Por mais que eu não goste de usar máscaras, simpatize com o ceticismo quanto a elas e ache estranhas as formas que as pessoas usam, a minha fé cristã me leva a sempre usar uma quando saio a público. Quando olho para as Escrituras não vejo um mandamento sobre máscaras, é claro, mas vejo um convite para fazer pelo menos quatro coisas que me levam a usar elas.
1. Ame o seu próximo (Mt 22.39)
É frustrante ver o quanto as afirmações da ciência quanto às máscaras têm sido inconsistentes. E é enlouquecedor ver que governadores, secretários, ministros e até a OMS tem mudado suas orientações sobre o assunto pra frente e pra atrás. Mas não é totalmente surpreendente. Esse é um vírus novo e estamos em uma crise que tem novas consequências rapidamente. Provavelmente não saberemos o que estava certo ou errado em nossos esforços para parar o Covid-19 por alguns anos. Mas existe um consenso de que o uso de máscaras pelo menos diminui o contágio do vírus, e portanto, pode salvar vidas.
Para cristãos chamados a amar o próximo como a si mesmo, usar máscaras em público – principalmente em lugares onde o distanciamento social não pode ser garantido – é ser um caminho relativamente fácil de praticar o nosso amor ao próximo. Mesmo que seja incômodo, e mesmo que a gente não esteja convencido totalmente da ciência por trás disso, porque não usar uma? Dada a incerteza constante sobre os modos de contágio do Covid-19, não seria melhor errar ao tentar ser mais cautelosos do que ao tentar ser menos, por amor ao nosso próximo, já que há uma pequena chance de que nosso ato o esteja salvando?
2. Respeitar as autoridades (Rm 13.1-7)
É fácil colocar a culpa em nossos líderes, e muitos deles certamente cometeram muitos erros. Mas podemos agir com um pouco de graça nessa questão. A pandemia do Covid-19 é um dos assuntos mais complexos e cheios de complicações com as quais uma autoridade pode lidar no mundo todo. Em vez de nos apressarmos para criticar os líderes, e se déssemos a eles o benefício da dúvida, honrando e respeitando a autoridade deles e acreditando que eles estão fazendo o seu melhor? Além disso, parece claro em Romanos 13 (além de outras passagens, como Tito 3.1 e 1 Pedro 2.13-14) que os cristãos devem respeitar os governos aos quais estão sujeitos, enquanto esses governos não contradigam a nossa submissão a Cristo como autoridade última.
Então, quando se trata de usar máscaras, se sua cidade ou estado está requerendo o uso delas em certas circunstâncias, você não deveria obedecer às orientações como cristão? Da mesma forma, se a sua igreja instituiu que o uso de máscaras é mandatório para os cultos: vá em frente e use a máscara com alegria – e abraçando a oportunidade de praticar Hebreus 13.17.
3. Honrando os mais fracos entre nós (Rm 14)
O uso de máscaras infelizmente se tornou um assunto de divisão dentro das igrejas. Alguns irmãos as usam, e outros não. Era previsível, então, que cada grupo passasse a pensar o pior de seu irmão. Os que não usam máscaras são descuidados e se acham ‘mais fortes’ que os outros. E os que usam máscaras são covardes e levados pelo temor, precisando tomar coragem e fé pra se arriscar.
Em Romanos 14 e em 1 Coríntios 8, Paulo argumenta que em matérias aonde a liberdade reina é importante que os cristãos ‘mais fortes’ não usem a sua liberdade de forma a se tornar pedra de tropeço para os ‘mais fracos’. Quando um irmão ‘mais fraco’ que usa máscara entra numa igreja cheia de irmãos ‘mais fortes’ que não usam máscaras, ele vai naturalmente se sentir pressionado a tirar ela do rosto. E é exatamente desse tipo de ferida na consciência dos fracos ao qual Paulo se refere como um ‘pecado contra Cristo’ (1 Co 8.12).
4. Usar a liberdade por amor do evangelho (1 Co 9.19-23)
Às vezes, os cristãos americanos tendem a entender a liberdade de uma maneira mais moldada pela Constituição dos EUA do que pela Bíblia. Mas, dizer que a Bíblia nos chama muitas vezes a abrir mão dessas liberdades por amor ao evangelho não é nenhum ataque a beleza das liberdades humanas.
Paulo, por exemplo, parecia feliz em abrir mão de suas liberdades por amar ao próximo (1 Co 8.13). “Embora eu seja um homem livre, fiz-me escravo de todos para levar muitos a Cristo,” ele escreve (1 Co 9:19). “Quando estou com os fracos, também me torno fraco, pois quero levar os fracos a Cristo. Sim, tento encontrar algum ponto em comum com todos, fazendo todo o possível para salvar alguns. Faço tudo isso para espalhar as boas-novas e participar de suas bênçãos.” (1 Co 9:22,23). Existe um poder missionário tremendo nessa postura. E poucas coisas são tão belas para um testemunho como o abrir mão de seus direitos e de sua liberdade por amor ao próximo.
Existem muitas coisas em jogo para o testemunho cristão durante a crise do Covid-19. Queremos que o mundo não-crente veja os cristãos como descuidados espalhadores de vírus que se preocuparam mais com suas liberdades do que com a saúde de sua comunidade? Ou queremos que nos vejam como ‘servos de todos’, desejosos por abrir mão de nossas liberdades em nome do amor ao próximo?
Se a pequena inconveniência de usar máscaras pode nos ajudar não só a salvar vidas, mas também a alcançar almas, contribuindo para o avanço do evangelho. Então não vale a pena?
Texto de Brett McCracken para o The Gospel Coalition. Traduzido para o Narniano por Rilson Guedes. Você pode encontrar o Brett no Twitter.