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Dunkirk e a plenitude dos tempos

Nenhum filme histórico pode captar completamente a complexidade de um evento real. Então, de forma já esperada, alguns historiadores profissionais encontraram certas falhas em Dunkirk, o novo filme de Chistopher Nolan que se passa na Segunda Guerra Mundial e que foi recentemente indicado para Melhor Filme no Óscar. Mas focar em verdades específicas perdidos na licença poética é perder as verdades mais profundas que Dunkirk tem a oferecer, principalmente o que o filme tem a revelar sobre o entendimento cristão do tempo.

Em certo sentido, Dunkirk é uma história simples: soldados britânicos estão encurralados na costa da Franca, e uma frota de barcos civis cruza o Canal da Mancha para realizar o resgate. A estrutura do filme, no entanto, é mais complicada. Dunkirk segue três arcos narrativos principais, cada um apresentando protagonistas diferentes: Dois soldados encurralados na praia; um pai velejando junto com a filho e um vizinho em direção a Dunquerque (nome da praia em português); e dois pilotos provendo ajuda aérea ao resgate. Nolan revela a estrutura do filme nos títulos que são colocados no início do filme, identificando onde e quando cada segmento se passa: “O porto (cais), 1 semana,” “O mar, 1 dia,” “O ar, 1 hora.” O restante do filme prossegue contando cada história de forma linear, alternando entre cortes para cobrir cada uma das três narrativas. E de forma milagrosa, vemos os três segmentos e linhas do tempo se ligarem no final do filme.

Através da primeira metade, essa estrutura dá ao filme uma sensação de divisão. Parece haver pouca conexão entre os homens no porto e a tripulação no barco. E a preocupação dos pilotos pela falta de combustível não parece ser relevante para os soldados ou para as pessoas no mar. Mas lá pela conclusão do filme, entretanto, a audiência entende como tudo está ligado. 

(Spoilers adiante) 

Os soldados da praia acabam sendo resgatados pelo barco, que também consegue salvar um dos pilotos após ele ser forçado a pousar seu avião na água. O tempo passa de forma bastante diferente para os personagens envolvidos, mas, mesmo assim, no final, eles estão entrelaçados para servir ao propósito predeterminado por Nolan.

A vida parece ser cheia de coincidências. Acidentes, doenças, promoções, ofertas de trabalho, e até mesmo a morte parecem vir de lugar algum. As vezes nos sentimos como aqueles soldados na praia. Fomos abandonados? Naufragamos sem causa ou razão? Dunkirk ilustra que uma realidade maior pode estar trabalhando e vai se cumprir ao seu tempo. Como roteirista e diretor, Nolan sabia aonde sua história estava indo, e como cada peça distinta contribuía para o todo. Quando nós testemunhamos um dos soldados roubando de um cadáver no início do filme, não fazemos ideia de que aquilo vai contribuir para um momento de redenção mais tarde no filme. Ao assistir Dunkirk pela primeira vez, é impossível para a audiência — até mesmo para aqueles que conhecem da história — entender completamente como todas aquelas várias peças irão se encaixar.

Em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, C. S. Lewis descreve a Aslam como ‘não sendo um leão domesticado’, significando que Deus não é limitado por nossas expectativas. Do mesmo modo, as Escrituras estão cheias de pessoas que esperavam que Deus operasse no tempo deles próprios. A história de Abraão inclui a promessa de Deus de que ele seria o pais de muitas nações, mas ele passa a maior parte de sua vida esperando ter um filho. Samuel unge a Davi como rei de Israel, mas ele só seria coroado rei 20 anos depois. Simeão e Ana passaram suas vidas esperando ver o Messias, e morreram, no final, felizes porque “seus olhos viram a salvação.”

Quando nos focamos em eventos específicos e nos momentos que estão diante de nós, eles parecem não ter significado. Parece que Deus está ausente, porque ele não está se mexendo agora. A Bíblia mostra uma perspectiva diferente. Para o Senhor, ‘mil anos são como um dia.’ Deus vê todo o tempo como fios sendo tecidos para a realização de seus propósitos. Do ponto de vista meramente humano, o Messias demorou uma eternidade para chegar. Mas da perspectiva divina, o Emanuel chegou na plenitude dos tempos. Depois de um milênio de preparação por meio de profecias, em meio a Pax Romana, Deus chegou até nós. Uma visão retrospectiva mostra como os diferentes arcos da história foram sendo juntados: A obra de Deus em meio ao povo de Israel, a função da lei de mostrar a dimensão da corrupção do povo, o cultivo de um povo de onde o evangelho se espalharia até os confins da terra e o desenvolvimento da infraestrutura que permitisse este avanço. Deus estava trabalhando o tempo todo, trazendo nele a Sua vontade.

Dunkirk opera com a ideia de plenitude do tempo de forma parecida. Se nos focamos na perspectiva dos soldados, o desespero reina. Mas, quando alcançamos a visão panorâmica do final do filme, de repente entendemos o que as diferentes peças significam e como elas se juntam. Quando focamos nos elementos individuais de nossas vidas, o mundo parece caótico, sem esperança, e cruel. Mas, do ponto de vista bíblico, “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Dunkirk nos lembra que o tempo de Deus não é o nosso tempo, e que seus caminhos não são os nossos caminhos. Citando O leão, a feiticeira e o guarda-roupaele não é um leão domesticado ou seguro, “mas ele é bom.”


Texto de Josh Herring para o Think Christian. Traduzido por Rilson Guedes. Josh Herring é Docente de Humanas na Academia Thales em Rolesville, N.C.


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