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O perigo de negligenciar a beleza

“Há beleza demais ao nosso redor para apenas dois olhos. Mas, onde quer que eu olhe, eu a enxergo.”

Rich Mullins

Os filósofos se debateram por um longo tempo com esta questão: O que faz da humanidade diferente das outras formas de vida? Geralmente, eles apontam para o desejo humano por verdade, bondade e beleza. Em especial, os teólogos cristãos consideraram estes desejos como essenciais no conhecimento de Deus. Honestidade e falsidade apontam para a existência da verdade absoluta. Bem e mal apontam para a realidade da santidade pura. Beleza e fealdade sussurram a nossas almas sobre a existência da glória. Verdade, bondade e beleza foram estabelecidas pelo Deus que é em si mesmo as três.

Em minha experiência, muitos cristãos tem um forte desejo por verdade e bondade, com a beleza ficando pra trás em um terceiro lugar distante. Mas, quando rejeitamos a busca pela beleza, negligenciamos a busca por uma das qualidades primárias de Deus.

E Deus move suas mãos para usar o poder da beleza quando lhe apraz. Quando Deus prometeu a Abraão que ele se tornaria o pai de uma grande nação, o que o Senhor fez? Levou Abraão para os céus do deserto e pediu pra que ele contasse as estrelas, porque da mesma forma seria sua descendência. Deus queria que Abraão conectasse sua promessa pactual com um sentido de glória (Gn 15:1–6).

Você já viu o céu no deserto a noite? É lindo. O firmamento se desenrola de horizonte a horizonte. Glória, mistério e ecos do divino se espalham diante de nosso olhos. Desde o início dos tempos, tal sinal colocou o desejo por algo mais nas almas de homens e mulheres.

Porque a beleza importa?

A beleza — e o anseio que vem com ela — é uma força poderosa, necessária e formadora para todos que desejam conhecer a Deus. Temos uma responsabilidade teológica para se envolver deliberada e regularmente com a beleza, porque nosso Deus, sua criação e seu povo são encantadores.

1. Deus é inerentemente belo

O desejo de Moisés para ver a Deus era, na verdade, fome por sua glória (Ex. 33:12–23). O Rei Davi expressou o mesmo anseio:

Uma coisa pedi ao Senhor, e a buscarei: que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor, e inquirir no seu templo. (Salmos 27:4)

Moisés e Davi não queriam ver apenas uma mostra de beleza. Eles queriam ver a Deus, porque não há beleza maior para se ver.

2. A criação de Deus é inerentemente bela

O nosso redor está repleto de beleza, e ela aponta para a glória de Deus (Sl 19:1). Quando Deus descansou do seu ato criativo, Ele declarou que o mundo era “muito bom”. Pela bondade de Deus, a queda do homem não apagou a beleza da criação. Ela permanece aqui para ser contemplada, se soubermos ver. E quando conseguirmos olhar, veremos que ela, na verdade, nos dá ricas lições sobre o Autor da beleza.

3. O povo de Deus será adornado em beleza por toda a eternidade

Aqueles que estão em Cristo um dia serão preparados ‘como uma noiva adornada para o seu marido’ (Ap 21:2). O Salmo 149 descreve essa beleza como a glória de ser ‘ornados com a salvação’ (v.4). Devemos responder a essa promessa da beleza futura com louvor, e devemos nos envolver com a beleza deliberada e regularmente porque a beleza formará as roupas com as quais andaremos pela eternidade.

O que a beleza faz?

Há benefícios reais de nos envolvermos com beleza, ainda que perderemos o foco se nosso objetivo é resumir a beleza a uma lista de funcionalidades. Ainda assim, essas são algumas das formas pelas quais nossas vidas podem ser enriquecidas com a presença da beleza:

1. A beleza atrai

Na primeira vez que vi minha esposa fiquei maravilhado por sua beleza. Tive que olhar duas vezes para me certificar que meus olhos não estavam me enganando. A beleza dela me deixou curioso e me atraiu a procurar quem era a mulher por trás daquela beleza. Mas a história de ser atraído pela beleza é tão velha como o tempo.

Somos atraídos pela beleza. Nos dirigimos nas férias para locais onde podemos ver o sol nascendo por cima do oceano. Visitamos museus, teatros e escutamos sinfônicas. Admiramos a lua e as estrelas. Subimos altas montanhas só pra que nossos pés toquem na água congelante dos lagos. Só fazemos isso pelo prazer de encontrar beleza.

Quando fazemos essas coisas, não somos como Moisés e Davi famintos pra ver a glória de Deus?

2. A beleza inspira a criatividade

Se envolver com a beleza afia nossos olhos para o que é prazeroso, e amplia nossa imaginação para as possibilidades da criação. Artistas buscam inspiração de outros artistas porque a beleza não apenas nos deixa maravilhados, mas também nos impulsa a criar algo belo de nossas próprias mãos. Quando nos envolvemos com arte, aprendemos sobre os princípios da composição, desenho, cor e perspectiva. Aprimoramos nosso instinto criativo. E, quando criamos, refletimos a imagem de nosso Criador.

3. A beleza desperta a fé em Deus

Fé e deslumbramento são presentes de Deus, e Deus tem seus meios de tocar nossa alma. Ele usa a beleza para despertar corações que dormem. Blaise Pascal escreveu: “Quase sempre, os homens são levados a crer não através de provas, mas através daquilo que lhes atrai.” É por isso que pessoas que param para observar o Grand Canyon começam a adorar, mesmo que não saibam porquê.

Deus usa a beleza para atrair e aquecer corações.

A beleza pela beleza

A criação testifica que o Criador se deleita na beleza (Sl 19.1). O Evangelho segundo Mateus conta a história de uma mulher que veio até Jesus alguns dias antes de sua crucificação e o ungiu com um valioso perfume. Os discípulos pensaram que aquela atitude extravagante era um desperdício. Pensaram em como eles poderiam gastar toda aquela riqueza. Mas falar sobre isso pareceria vulgar, então disfarçaram sua indignação mostrando preocupação pelos necessitados: “Por que é este desperdício? Pois este unguento podia vender-se por grande preço, e dar-se o dinheiro aos pobres.” (Mateus 26:8)

Essa é a perspectiva de um mundo fixado na utilidade e na economia. Mas, pra que serve um perfume? Ele serve para encher a sala com seu aroma surpreendente e encantador. Quando o cheiro tocou os sentidos dos presentes, Jesus disse: “Ela fez uma boa ação para comigo” (Mt 26:10). Para Jesus, aquele “desperdício” era, na verdade, uma atitude linda.

Há muitas coisas em nosso mundo que são belas sem precisar ser. Deus escolheu fazer elas deste jeito para que Ele possa chamar seu povo pelos nossos sentidos e nos acordar do pragmatismo. Nos fazer despertar é uma função vital da beleza.

Em um trecho das Confissões, Agostinho escreveu: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora, a procurar-Vos!” Depois que nossos olhos começam a ser treinados para ver a beleza não há limites. Olhe para o seu redor, e nesse momento, sem dúvida, você vai encontrar um pouco dela. Cultive o hábito de buscar a beleza, porque, como Annie Dillard escreveu: “Beleza e a Graça acontecem quer as sintamos ou não. O mínimo que podemos fazer é tentar estar lá pra ver.”

A beleza é um relíquia do Éden — um remanescente do que é bom. Ela vem de um reino mais profundo. Goteja em nossas vidas como água saindo da rachadura de uma represa, e o que está do outro lado da barragem nos preencherá de encantamento e temor. O que está no outro lado é glória. E nós fomos feitos para a glória.


De Russ Ramsey para o The Gospel Coalition. Traduzido por Rilson Joás. Russ Ramsey é pastor e autor de vários livros. Você pode encontrá-lo no Twitter e no Instagram.


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