Uma das questões mais recorrentes entre os fãs de As Crônicas de Nárnia diz respeito ao destino de Susana Pevensie. Após décadas de controvérsia sobre o final dado à personagem em A Última Batalha, muitos leitores se perguntam se C.S. Lewis tinha planos de continuar sua história em um livro separado. A resposta, baseada na correspondência do próprio autor, é clara: não, Lewis nunca planejou escrever um livro sobre a continuação da história de Susana.
O que Lewis realmente disse sobre os planos para Susana
Contrariando um rumor popular que circula na internet, Lewis foi explícito sobre suas intenções em relação ao futuro narrativo de Susana. Em uma carta pessoal, o autor declarou categoricamente: “Eu não poderia escrever essa história eu mesmo.” Esta declaração desfaz qualquer especulação de que havia planos secretos ou esboços inacabados sobre o destino da rainha de Nárnia. Esta carta se encontra no terceiro volume da coleção completa de correspondências de Lewis, ainda não traduzida ao português.
As razões apresentadas por Lewis para não prosseguir com a história de Susana são reveladoras de sua visão como escritor. Ele explicou que “a história de sua jornada seria mais longa e mais parecida com um romance para adultos do que eu queria escrever.” Esta observação mostra que Lewis reconhecia que a redenção de Susana exigiria uma abordagem narrativa completamente diferente das Crônicas, provavelmente mais complexa e psicologicamente profunda.
A esperança de redenção permanece
Embora Lewis tenha descartado a possibilidade de escrever sobre Susana, ele não fechou a porta para sua eventual salvação. O autor mantinha esperança no destino da personagem, afirmando: “Não que eu não tenha esperança de que Susana chegue ao país de Aslam; mas porque tenho a sensação de que a história de sua jornada seria mais longa.”
Esta distinção é fundamental: Lewis separava claramente sua incapacidade pessoal de contar essa história específica de suas crenças sobre o potencial de redenção da personagem. Em suas palavras, “há muito tempo para ela se emendar, e talvez ela chegue ao país de Aslam no final—à sua maneira.”
A responsabilidade passa para os leitores
De forma característica, Lewis transformou sua limitação em uma oportunidade para seus leitores. Após explicar por que não escreveria a continuação da história de Susana, ele fez um convite direto: “Mas posso estar enganado (sobre a possibilidade de uma jornada sobre o fim de Susana sair). Por que você não tenta escrever isso você mesmo?”
Esta sugestão não era apenas uma cortesia epistolar. Lewis genuinamente acreditava que outros escritores poderiam ter a sensibilidade e as ferramentas narrativas necessárias para explorar a jornada de redenção de Susana de forma adequada. Ao fazer este convite, ele reconhecia que sua visão das Crônicas não precisava ser definitiva para todos os aspectos do mundo de Nárnia.
O contexto da decisão narrativa
É importante compreender que a escolha de Lewis de deixar Susana “viva neste mundo no final, tendo se tornado uma jovem mulher bastante tola e vaidosa” não foi arbitrária. Como ele explicou em carta de 1955, esta decisão refletia tendências que já estavam presentes na personagem desde os primeiros livros: “Você não notou nos dois que você leu que ela é bastante apegada a ser muito crescida?”
Lewis via a trajetória de Susana como um desenvolvimento natural de sua personalidade, não como uma punição cruel. O autor compreendia que “qualquer coisa que ela tivesse visto em Nárnia, ela poderia (se fosse do tipo que quisesse) convencer-se, conforme crescia, de que era ‘tudo bobagem’.”
A evidência documental é inequívoca: C.S. Lewis nunca planejou escrever um livro sobre a continuação da história de Susana Pevensie. Sua decisão baseou-se tanto em limitações pessoais como escritor quanto em uma compreensão clara do tipo de narrativa que seria necessária para fazer justiça à jornada de redenção da personagem.
No entanto, Lewis manteve viva a possibilidade de que Susana encontrasse seu caminho de volta a Aslam, deixando essa esperança como um legado para futuros escritores e leitores explorarem. Sua recusa em escrever a história não representava desespero pelo destino da personagem, mas sim o reconhecimento honesto de que algumas histórias requerem diferentes tipos de contadores.
O que realmente Lewis quis dizer?
Susana sempre foi uma personagem mais prática e madura que seus irmãos. Ela sempre esteve nesse conflito de ter que crescer rápido demais e se mostrar como alguém mais adulta. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando os irmãos precisam ir para o interior da Inglaterra sob ordens do governo para fugir dos bombardeios nazistas, é ela que toma o papel maternal entre os irmãos.
Tudo isso pode ter motivado ela a querer se afastar das coisas da infância e crescer mais rápido quando voltou para a Inglaterra após as viagens a Nárnia. Ela ficar pensando em lingeries, maquilagens e compromissos sociais não significa que seu problema foi gostar de coisas de meninas, isso é apenas uma expressão externa de uma motivação diferente. Ela preferiu negar Nárnia e abraçar as coisas do mundo porque achava que era isso que seria uma boa vida: ter aprovação dos outros, ter bom status social e se sentir superior aos irmãos, que ‘ainda pensavam em coisas da infância’.
É bom recordar que a acusação de que Lúcia estava inventando coisas por ser uma criança também foi feita por Edmundo em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Ou seja, a negação de Nárnia como ‘uma brincadeira’ não é algo que vem só de Susana, mas também já foi feita por seu irmão por motivos diferentes.
Também não faz sentido acusar C. S. Lewis de sexismo ao deixar Susana fora do país de Aslam, já que outras mulheres entram no país de Aslam e têm papéis de destaque (inclusive maior que o de personagens masculinos) durante toda a saga, como são os casos de Giu, Polly e Lúcia.
Então, porque a escolha de uma mulher para representar alguém que conheceu Nárnia e não foi com os irmãos ao País de Aslam? Pelo que conhecemos dos personagens, cada um ali tinha seus motivos para acreditar ou não em Nárnia e em Aslam. Mas no caso de Susan, o seu desejo de ‘deixar as coisas de criança’ e se envolver mais com a sociedade são motivadores mais fortes que o que acontece com os seus irmãos. Não apenas no final de sua história em A última batalha, mas em toda a saga vemos pedaços disso, ao contrário de seus irmãos.
Lúcia, por exemplo, sempre é vista como alguém de fé e que dá os primeiros passos em direção a Aslam. Edmundo, tendo já aprendido a lição de não infantilizar a sua irmã, passaria por uma regressão narrativa se ele fizesse isso novamente em A última batalha. E Pedro sempre foi o primeiro a defender Lúcia, mesmo quando não tinha muitas razões para acreditar nela. Já Susana é a primeira a acusar Lúcia de estar imaginando ver Aslam em Príncipe Caspian, por exemplo, enquanto Pedro e Edmundo estão dispostos a acreditar em sua irmã mais nova. Mas o mais curioso é que, quando Aslam finalmente se mostra aos irmãos, ela reconhece que tinha acreditado sim que Aslam tinha aparecido antes: “no fundo acreditei… Ou podia ter acreditado, se quisesse,” confessa. Ou seja, ela já era alguém de ter dificuldade em acreditar e reconhecer Aslam desde, pelo menos, Príncipe Caspian.
Em complemento a isso, a escolha de Susana pode simplesmente não ter nada a ver com o fato dela ser menina. Lewis também pode estar projetando o que aconteceu com ele mesmo entre sua adolescência e juventude. Quando ele se tornou ateu e negou a fé por um grande período de sua vida adulta. Susana seria um espelho do próprio Lewis naquele momento da história. Assim como Digory foi em certo momento de O sobrinho do mago.
Também existe toda a ironia de Susana querer se mostrar mais velha, mas estar agindo de forma infantil ao querer negar parte do que conheceu como verdade quando era mais jovem. O seu desejo de querer ser adulta demais era na verdade um desejo infantil. “Quando estava na escola, passava o tempo todo desejando ter a idade que tem agora, e agora vai passar o resto da vida tentando ficar nessa idade”, é o que Polly diz sobre ela. O que ressoa muito com o Lewis vai dizer no artigo ‘Três maneiras de escrever para crianças’, onde ele fala que críticos que acham que histórias ‘infantis’ não podem ser lidas por adultos provavelmente não são adultos de verdade, porque “a preocupação em ser adulto o tempo todo são marcas da infância e da adolescência.” E é exatamente assim que a Susana está tentando se provar em Nárnia.
E por último, o fato de Lewis não comentar o destino dela após o acidente de trem também não significa que ela nunca voltou a ser uma ‘amiga de Nárnia’. Diferente do mundo de Nárnia, que foi encerrado por Aslam, a história de nosso mundo continua. E ela pode ter tido outras oportunidades de se lembrar quem Aslam realmente é em nosso mundo. E assim como aconteceu com Lewis de redescobrir a fé mais tarde em sua vida, talvez em sua velhice Susana possa lembrar que ‘quem é coroado rei ou rainha em Nárnia será para sempre rei ou rainha’.
Com informações do NarniaWeb.