O desejo pela glória eterna segundo C. S. Lewis

O Peso da Glória não é apenas uma coletânea de ensaios e palestras de C. S. Lewis, mas um sermão que toca em temas profundos e universais da fé cristã. Originalmente pregado em 8 de junho de 1941 na Igreja de São Marcos, em Oxford, este sermão emergiu em um contexto histórico significativo – durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra enfrentava alguns de seus momentos mais sombrios. Publicado pela primeira vez em 1961, o livro O peso da glória contém este sermão e outras reflexões de Lewis que revelam a profundidade de seu pensamento teológico e filosófico.

Exploração profunda da fé cristã

Um dos aspectos mais notáveis de O Peso da Glória é a maestria com que Lewis navega entre diferentes níveis de complexidade teológica. Sua abordagem única combina rigor intelectual com clareza pastoral, permitindo que conceitos profundos da teologia cristã sejam compreendidos tanto por acadêmicos quanto por leigos.

A eternidade, na visão de Lewis, não é apenas um conceito abstrato ou uma promessa distante, mas uma realidade que permeia e transforma nossa existência presente. Quando ele afirma que “a natureza é mortal, iremos viver mais do que ela. Quando todos os sóis e nebulosas tiverem morrido, cada um de vocês ainda estará vivo”, Lewis está articulando uma visão cósmica da salvação que ecoa as palavras do apóstolo Paulo em 2 Coríntios 4:18: “Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno.”

Esta perspectiva se conecta profundamente com a tradição cristã antiga, particularmente com os escritos dos Pais da Igreja como Agostinho e Irineu, que também enfatizavam a transformação progressiva do crente em direção à glória divina.

Lewis também explora essa ideia em outros escritos, como em Cristianismo Puro e Simples, onde ele ressalta que a nossa vida aqui na Terra é apenas o início de uma jornada eterna. Dessa forma, ele desafia a visão materialista da existência que é tão martelada pela mídia secular, insistindo que somos seres feitos para a eternidade. E que as glórias da realidade presente não se comparam com as glórias que teremos na realidade futura.

A questão do desejo

Em O Peso da Glória, C. S. Lewis aborda o desejo humano como algo que transcende a experiência terrena e como um sinal de nossa natureza espiritual e da busca por uma realidade maior. Lewis sugere que os desejos mais profundos do ser humano, aqueles que não podem ser totalmente satisfeitos pelas coisas deste mundo, são uma evidência de que fomos criados para um propósito eterno. Ele descreve essa experiência assim: “Se descobrirmos em nós um desejo que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fomos feitos para outro mundo.”

Essa ideia é central na visão de Lewis sobre a espiritualidade e a religião. O ser humano é um ser que anela coisas, mas os tipos de apetites humanos são satisfeitos por alguma coisa: a fome pela comida, a sede pela bebida, a solidão pelo relacionamento, etc. Ele argumenta que o apetite por algo ainda mais profundo e duradouro no coração do ser humano é uma pista de que a nossa existência terrena é apenas uma preparação para algo muito maior. Esse desejo por transcendência, um desejo profundamente espiritual que atinge seres humanos desde sempre, reflete nossa criação à imagem de Deus, que nos fez com uma inclinação para o divino e eterno. Dessa forma, ele está elaborando uma sofisticada apologética existencial que ressoa com o pensamento de filósofos cristãos como Blaise Pascal e sua famosa descrição do “vazio em forma de Deus” no coração humano.

Lewis acredita que o desejo de transcendência é uma parte fundamental da nossa natureza humana porque fomos criados por um Deus que é transcendente. Esse apetite não é um defeito acidental, mas uma característica projetada por Deus para nos direcionar a Ele e um resquício do relacionamento que tínhamos com o Senhor antes da Queda no Éden. Em Cristianismo Puro e Simples, Lewis explora essa ideia mais profundamente ao afirmar que “Estamos todos com fome de algo que o mundo não pode oferecer.” Ele vê essa fome como um sinal de que fomos feitos para um relacionamento eterno com Deus. Ou, como diz Eclesiastes 3:11, “Deus colocou a eternidade no coração dos homens.” Esta compreensão se alinha com a tradição agostiniana do desejo ordenado (ordo amoris) e oferece uma perspectiva cristã única sobre a natureza da felicidade e realização humana.

Lewis também explora a conexão entre desejo e imortalidade em As Crônicas de Nárnia, particularmente em A Última Batalha. O final da série, com a transição para a Nova Nárnia, ilustra a realização plena dos desejos mais profundos dos personagens. A Nárnia que conhecemos até ali é revelada como uma sombra do verdadeiro País de Aslam, uma sobra do verdadeiro mundo de Deus, onde a realidade que será experimentada será muito maior e melhor do que a que deixaram para trás.

No epílogo de A Última Batalha, Lewis escreve: “Todos os que tinham chegado ao fim da jornada estavam agora em um novo começo.” Esta visão da eternidade como um novo começo para o desejo humano é uma afirmação de que, na presença de Deus, todos os anseios são finalmente satisfeitos.

Surpreendido pela alegria

Um dos temas mais marcantes no sermão é a ideia de que a alegria humana está profundamente conectada com a nossa esperança na eternidade. Lewis nos desafia a pensar na “glória” como uma alegria plena e completa que só pode ser encontrada em Deus. Para ele, nossas experiências de prazer e felicidade aqui na Terra são apenas sombras de uma alegria maior que nos espera na presença divina. Ele argumenta que o ser humano é, em essência, como uma bússola à procura de alegria, e que a busca por essa felicidade última aponta para nossa natureza espiritual. Esta compreensão da alegria como uma experiência que aponta para além de si mesma estabelece conexões importantes com a tradição mística cristã, particularmente os escritos de João da Cruz e Teresa d’Ávila.

Em outro ponto do sermão, Lewis usa uma metáfora do céu como a “terra desejada”, que as intuições e os vislumbres de alegria deste mundo podem apenas sugerir e apontar, mas nunca podem substituir. Este tema ecoa sua obra Surpreendido pela Alegria, onde ele fala da alegria como algo inesperado, uma espécie de ‘seta’ que nos aponta para algo maior que nós mesmos. Aqui, Lewis nos lembra da promessa de Jesus em João 16:22: “Assim também agora vocês estão tristes, mas eu os verei outra vez, e o coração de vocês se alegrará, e ninguém tirará essa alegria de vocês.”

O bênção de ter um corpo

Embora Lewis foque na ideia de glória e de vida eterna, ele também toca no tema da redenção do corpo, um conceito essencial na fé cristã. Para Lewis, o corpo humano não é apenas uma prisão da alma, como algumas filosofias antigas sugeriam (como o gnosticismo), mas uma parte importante de nossa identidade redimida. Ele nos lembra que a promessa da glória não é apenas espiritual, mas também física. Nosso corpo será transformado e glorificado na ressurreição.

Essa visão é consistente com a doutrina cristã da ressurreição dos mortos, conforme descrita por Paulo em 1 Coríntios 15:42-44, onde ele fala da transformação do corpo corruptível em incorruptível. Lewis resgata essa ideia ao dizer que “Nossas naturezas mortais devem ser imortalizadas, transformadas na semelhança de Cristo.” Este tema também aparece em O Grande Divórcio, onde ele sugere que o corpo humano glorificado será algo mais sólido, mais real, do que qualquer coisa que conhecemos na vida terrena.

O perigo do orgulho espiritual

Outro tema importante em O Peso da Glória é o alerta de Lewis contra o orgulho espiritual. Ao discutir a glória futura, ele também nos adverte contra a tentação de buscá-la por motivos errados. Lewis afirma que a glória a que os cristãos aspiram não é a aprovação dos homens, nem uma posição elevada de status, pois são glórias falsas e feitas de barro, mas deve-se buscar o reconhecimento por parte de Deus. Ele escreve: “Ser reconhecido por Deus, aprovado por Deus, é a única glória verdadeira.”

Lewis enfatiza que, muitas vezes, o orgulho espiritual pode levar à busca por uma glória egoísta, que não é a verdadeira glória cristã. Esse tema é amplamente desenvolvido em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, onde o demônio-instrutor Maldanado explica que uma das melhores maneiras de corromper um cristão é através de seu orgulho religioso. Portanto, a humildade é central para a verdadeira glória que Lewis descreve.

Criados à imagem de Deus

Finalmente, Lewis toca num tema que é frequentemente considerado um dos aspectos mais desafiadores e profundos de seu sermão: o valor eterno das outras pessoas. Ele adverte que cada ser humano que encontramos é, em certo sentido, um ser eterno. “É uma coisa séria viver em uma sociedade de possíveis deuses e deusas.” O peso da glória, então, não é apenas algo que carregamos para nós mesmos, mas algo que nos impõe responsabilidades para com os outros. Nosso tratamento com cada pessoa tem implicações eternas.

Esse tema se alinha com o ensino bíblico sobre a dignidade de cada ser humano, criado à imagem de Deus (Gênesis 1:27). Lewis nos lembra que nossas ações e palavras afetam o destino eterno dos outros. Esse pensamento eleva o valor da comunidade cristã e desafia os leitores a enxergar a vida com os olhos da eternidade.

Conclusão

O Peso da Glória permanece uma obra de extraordinária relevância para o século XXI. Em uma era marcada pelo materialismo científico e pelo reducionismo naturalista, a visão de Lewis sobre a realidade transcendente e o destino eterno do ser humano oferece um contraponto poderoso e intelectualmente satisfatório.

O Peso da Glória permanece uma obra de extraordinária relevância para o século XXI. Em uma era marcada pelo materialismo científico e pelo reducionismo naturalista, a visão de Lewis sobre a realidade transcendente e o destino eterno do ser humano oferece um contraponto poderoso e intelectualmente satisfatório.

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