O que C. S. Lewis pensava sobre Jane Austen?

C. S. Lewis, mundialmente conhecido por suas obras de fantasia como As Crônicas de Nárnia, bem como por seus escritos teológicos e apologéticos, foi também um crítico literário excepcionalmente culto e exigente. Com uma carreira acadêmica sólida, tendo lecionado Literatura Inglesa em Oxford e Cambridge, Lewis cultivava uma profunda admiração pelos grandes nomes da tradição literária britânica. Entre esses nomes, figurava com destaque Jane Austen — autora que ele via não apenas como uma estilista refinada, mas como uma mestre da alma humana.

O gosto literário de Lewis

Lewis prezava por uma escrita clara, precisa e envolvente. Em seu influente ensaio Um Experimento em Crítica Literária (1961), ele argumenta que a literatura autêntica é aquela que convida o leitor a sair de si para entrar em outro mundo, absorvendo perspectivas distintas e aprendendo com elas. Nesse contexto, Jane Austen representava, para ele, uma das mais altas expressões desse ideal.

Ao contrário de estilos mais ornamentados ou experimentais que caracterizaram parte da literatura moderna, Austen escrevia com uma economia elegante, um domínio absoluto da forma e uma atenção minuciosa ao detalhe narrativo. Lewis admirava sua capacidade de capturar a complexidade da vida interior com frases simples e diálogos espirituosos. Ele percebia em seu mundo literário uma qualidade que contrastava com a ficção moderna, descrevendo-o como “ao mesmo tempo menos suave e menos cruel”. Ele valorizava a “firmeza” do pensamento de Austen, enraizado em conceitos morais claros e definidos.

Austen como Teóloga Literária

Lewis não via em Austen apenas uma romancista de costumes. Ele reconhecia nela uma teóloga implícita — alguém que, sem fazer longos sermões, explorava as virtudes e os vícios com uma sagacidade que poucos conseguiram igualar. Em suas obras, a moralidade não é imposta de fora, mas surge organicamente da conduta dos personagens e das consequências de suas escolhas.

Central para a análise de Lewis sobre Austen é o que ele chamou de padrão de “desengano” ou “despertar”, presente de forma estrutural em quatro de seus romances mais característicos (A abadia de Northanger, Razão e sensibilidade, Orgulho e preconceito, Emma). Lewis observa como as heroínas desses romances “dolorosamente… descobrem que cometeram erros tanto sobre si mesmas quanto sobre o mundo em que vivem”. Esse momento de autoconhecimento tardio e surpreendente é crucial; como Elizabeth Bennet exclama em Orgulho e Preconceito: “Até este momento, eu nunca me conheci”. Lewis ressalta que Austen, para descrever essas transformações, utiliza sem hesitar “os grandes substantivos abstratos dos moralistas clássicos ingleses: bom senso, coragem, contentamento, fortaleza… vaidade, tolice, ignorância, razão”. Ele via nisso o “núcleo duro” da mente de Austen, um “elemento Johnsoniano” que remetia ao rigor moral de Samuel Johnson. Importante notar, Lewis acrescenta que essa “dureza é, claro, para si mesmo, não para os próximos”, revelando autocrítica em vez de julgamento alheio.

Essa abordagem coincidia com a própria crença de Lewis de que a moral não precisa ser pregada para ser eficaz; ela pode ser apresentada de modo narrativo, quase sacramental, encarnada na experiência cotidiana.

Personagens que vivem

Lewis era fascinado pela complexidade psicológica dos personagens de Austen, especialmente pelo processo de crescimento moral através do confronto com as próprias falhas. Ele analisou detalhadamente como Catherine Morland, Marianne Dashwood, Elizabeth Bennet e Emma Woodhouse passam por diferentes graus desse “despertar”, desde o quase burlesco de Catherine até a experiência quase trágica de Marianne, cujo vocabulário no momento de crise, segundo Lewis, “torna explícito, pela única vez, o fundo religioso da posição ética da autora”, usando palavras como penitência e meu Deus.

Essa atenção ao desenvolvimento interior dos personagens — algo que Austen conduz com precisão quase cirúrgica — influenciou Lewis de modo direto. Mesmo em suas obras fantásticas, Lewis insistia em que a transformação moral dos personagens fosse mais importante do que qualquer façanha exterior. Edmund Pevensie, por exemplo, cresce e amadurece em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa de modo semelhante ao de Emma Woodhouse: por meio do confronto com suas próprias falhas e da graça oferecida por aqueles ao seu redor.

Lewis também diferenciava as heroínas que passam pelo “desengano” daquelas de Mansfield Park e Persuasion. Fanny Price e Anne Elliot, ele argumenta, “não cometem erros” e, portanto, não passam por esse despertar. Em vez disso, são “heroínas solitárias”, muitas vezes isoladas e sem “importância” em seu meio, compelidas a observar as ilusões e enganos alheios. Ele admirava imensamente Anne Elliot, destacando sua “paixão…, sua perspicácia, sua maturidade, sua fortaleza prolongada”. Já Fanny Price, embora moralmente correta segundo os padrões de Austen, parecia a Lewis “insípida”, faltando-lhe “paixão, coragem física, sagacidade ou recurso”. No entanto, ambas compartilham a característica de serem espectadoras cuja “delicadeza… deve ser ferida” pela impropriedade que observam, como Lewis descreve a reação de Anne.

Humor e ironia

Outro ponto de afinidade entre Lewis e Austen era o uso magistral do humor e da ironia. Austen não ridicularizava gratuitamente, mas fazia uso da ironia como instrumento de crítica social e revelação moral. Em seus escritos, os personagens mais pretensiosos — como a Sra. Bennet, o Sr. Collins ou Lady Catherine de Bourgh — são alvos de um humor que diverte e instrui ao mesmo tempo.

Lewis compartilhava essa visão do riso como forma de revelação e argumentava que a eficácia da ironia de Austen dependia justamente de seu sólido fundamento moral. Para ele, “A menos que haja algo sobre o qual a autora nunca seja irônica, não pode haver verdadeira ironia na obra. ‘Ironia total’ — ironia sobre tudo — frustra a si mesma e torna-se insípida.” O humor de Lewis, especialmente em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, tem a mesma função crítica: desmontar as ilusões do ego, expor a tolice das pretensões humanas e, paradoxalmente, abrir espaço para a verdade. Ele reconhecia que Austen possuía essa mesma capacidade — uma voz firme e brincalhona, que confrontava o leitor sem jamais soar autoritária.

Conclusão

A admiração de C. S. Lewis por Jane Austen revela mais do que um gosto literário: revela um encontro entre duas mentes que, separadas por mais de um século, compartilhavam uma mesma convicção — de que a literatura é um dos mais poderosos meios para explorar o mistério da natureza humana. Lewis via Austen como a “filha do Dr. Johnson”, herdando seu “senso comum, sua moralidade, até mesmo muito de seu estilo”. Ambos, à sua maneira, viram na arte de contar histórias um caminho para a verdade, para o bem e, em última instância, para Deus. Lewis apreciava a “alegre moderação” de Austen, sua capacidade de encontrar felicidade em prazeres modestos e sua visão de mundo essencialmente não trágica, onde a moralidade funciona como uma “gramática da conduta” – algo que todos podem e devem aprender.

Assim, ao refletirmos sobre a afinidade entre Lewis e Austen, reconhecemos não apenas a grandeza de dois escritores, mas também o valor perene da literatura como escola de sabedoria, virtude e humanidade.

Deixe o seu comentário

Rolar para cima