A literatura fantástica floresce em um solo fértil de intercâmbios criativos, onde obras dialogam entre si através de uma complexa rede de referências, inspirações e homenagens. Neste vasto universo literário, uma conexão particularmente intrigante emerge ao analisarmos dois personagens de séries distintas, mas igualmente icônicas: Cedrico Diggory, da saga Harry Potter de J.K. Rowling, e Digory Kirke, de As Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis. Será que a semelhança vai além da coincidência fonética?
A coincidência fonética
Uma fascinante ressonância sonora conecta os universos de Harry Potter e Nárnia, centrada especificamente no personagem Cedric Diggory e no protagonista de “O Sobrinho do Mago”, Digory Kirke. O ponto mais intrigante desta possível ligação literária reside na quase identidade entre o sobrenome do campeão de Hogwarts e o primeiro nome do explorador de Nárnia.
Ambos os nomes, “Diggory” e “Digory”, compartilham uma qualidade sonora distintiva e incomum, evocando uma atmosfera clássica, talvez um pouco arcaica, profundamente enraizada na tradição britânica, mas não imediatamente familiar. “Digory” (e, por extensão fonética, “Diggory”) é um nome relativamente raro no panorama geral. Embora existam registros históricos, especialmente como um sobrenome tradicional na região da Cornualha, sua utilização é esparsa. C.S. Lewis, ao escolher “Digory” para seu herói, conferiu-lhe uma identidade única, que soa tradicionalmente britânica, mas com um toque de originalidade distinta devido à sua raridade. A semelhança com o sobrenome “Diggory”, usado por J.K. Rowling décadas depois, é notável e sugere, no mínimo, um eco interessante dessa escolha lexical incomum.
As personalidades
Para além da fonética nominal, Cedrico e Digory compartilham uma estrutura moral notavelmente semelhante. Digory Kirke, em sua jornada através de “O Sobrinho do Mago”, enfrenta tentações significativas no jardim mágico. Quando confrontado com a maçã proibida que poderia curar sua mãe moribunda, ele escolhe a obediência e o bem maior em detrimento do desejo pessoal. Esta escolha moral fundamental não apenas forja seu caráter, mas influencia o próprio destino de Nárnia. A integridade demonstrada por Digory jovem permanece como traço definidor quando o encontramos novamente como o Professor Kirke, já idoso, em “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, e mais tarde em sua breve aparição em “A Última Batalha”, o livro final da série.
Cedrico Diggory, por sua vez, emerge como emblema de retidão moral no contexto competitivo do Torneio Tribruxo. Em um ambiente onde a ambição frequentemente obscurece princípios éticos, Cedrico destaca-se por sua honestidade inabalável e senso de justiça. Durante a preparação para a segunda prova, ele retribui a ajuda de Harry (que o havia alertado sobre os dragões na primeira prova) dando-lhe uma dica crucial sobre como decifrar o enigma do ovo dourado. No labirinto da prova final, mesmo com a vitória ao alcance, ele insiste em compartilhar o triunfo com Harry – decisão que, tragicamente, leva ao seu encontro fatal com Voldemort.
Em ambos os personagens, observamos uma consistência moral que transcende interesses pessoais, estabelecendo-os como faróis éticos em seus respectivos universos narrativos. Eles não apenas fazem escolhas moralmente corretas, mas o fazem em circunstâncias onde o custo pessoal é significativo, elevando suas ações do plano da simples correção para o domínio da verdadeira virtude heroica.
Rowling como leitora de Lewis
O entrelaçamento entre estas obras ganha plausibilidade adicional quando consideramos o contexto formativo de J.K. Rowling como leitora. Em diversas entrevistas, a autora mencionou seu apreço pelas obras de C.S. Lewis, confirmando que As Crônicas de Nárnia figuraram entre suas leituras fundamentais durante a infância. Essa exposição precoce ao universo narniano de Lewis potencialmente impregnou o imaginário criativo de Rowling, estabelecendo estruturas narrativas, arquétipos e mesmo nomes que posteriormente ressurgiriam, transmutados, em sua própria criação literária.
A influência raramente se manifesta como cópia direta, mas frequentemente como impressão profunda no subconsciente criativo. Desta forma, elementos da obra de Lewis podem ter permeado o processo criativo de Rowling, emergindo transformados, mas reconhecíveis para o leitor atento. A admiração declarada de Rowling por Lewis cria, assim, um contexto propício para a identificação de ressonâncias entre suas criações literárias, embora não haja evidência documental de que Rowling tenha se inspirado especificamente no personagem Digory para criar Cedrico Diggory.
Conclusão
A análise comparativa entre Cedrico Diggory e Digory Kirke ilumina um aspecto fundamental da criação literária: seu caráter inerentemente dialógico e intertextual. As semelhanças entre estes personagens oferecem uma janela para compreendermos como a literatura fantástica moderna estabelece pontes com suas raízes históricas. Neste caso específico, a possível conexão entre Cedrico e Digory sugere um elo entre duas das mais influentes sagas fantásticas britânicas do século XX, conectando gerações de leitores através de personagens que, em diferentes épocas e contextos, encarnam valores semelhantes de integridade, coragem e sacrifício.
Esta possível conexão, longe de diminuir a originalidade da obra de Rowling, evidencia seu pertencimento a uma rica tradição literária britânica que inclui nomes como Lewis, Tolkien e outros mestres da fantasia.



