Universidade da Inglaterra quer ‘decolonizar’ Nárnia

Um curso da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, tem gerado polêmica ao propor uma análise “decolonial” de clássicos da literatura britânica. Entre as obras sob escrutínio está As Crônicas de Nárnia, de C.S. Lewis, acusada de perpetuar estereótipos raciais e “chauvinismo étnico”.

Calormânia sob crítica

O módulo acadêmico, ministrado pelo historiador Onyeka Nubia, dedica atenção especial à representação dos calormanos nas obras de Lewis. Segundo a análise do curso, o povo da Calormânia — região ao sul de Nárnia — é caracterizado por traços considerados estereotipados sobre povos do Oriente Médio: são descritos como um povo “cruel”, com “longas barbas” e “turbantes alaranjados”.

A crítica se intensifica ao examinar O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, primeiro livro da série na ordem de publicação, onde os calormanos aparecem de forma breve. No entanto, é em O Cavalo e Seu Menino que Lewis desenvolve mais extensamente essa civilização, inclusive colocando uma princesa calormana entre os protagonistas da narrativa.

Lewis estaria sendo ‘racista’ e ‘xenófobo’ em sua representação.

O contexto mais amplo: de Tolkien a Shakespeare

As Crônicas de Nárnia não é a única obra clássica analisada pelo curso “Decolonising Tolkien et al”. O módulo tem como foco principal O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, argumentando que os orcs e personagens de pele escura são vítimas de representações negativas. Segundo o material do curso, povos do leste no universo de Tolkien — como os Easterlings e os Haradrim — costumam ser retratados como vilões, enquanto os habitantes do oeste, de pele mais clara, são associados à virtude.

O professor Nubia estende sua crítica ainda mais longe no tempo, afirmando que Shakespeare contribuiu para criar a ideia de um “passado inglês fictício e monoétnico”, já que suas peças não fazem referências claras a africanos que viviam na Inglaterra medieval. Até Paraíso Perdido, de John Milton, entra na lista de obras que teriam perpetuado o “chauvinismo étnico” na literatura britânica.

O paradoxo da “decolonialidade”

Um aspecto curioso desses estudos é que a própria palavra “decolonialidade” é um anglicismo — uma importação direta do inglês. O termo original em português seria algo como “descolonialidade” ou “descolonização”. Além disso, os promotores de “estudos decoloniais” frequentemente baseiam-se em teóricos europeus, como o alemão Karl Marx e o francês Michel Foucault.

Os alunos do curso em Nottingham também supostamente aprenderão a “repovoar” o cânone literário do folclore britânico, com artigos que afirmam que a Inglaterra medieval tinha populações diversas, mas que essa diversidade foi apagada da literatura.

Uma tendência crescente

Nottingham não é caso isolado. Recentemente, a Universidade de Leicester, também na Inglaterra, gerou controvérsia ao equiparar o estilo de liderança de Margaret Thatcher ao de Adolf Hitler em uma aula de administração de empresas. Slides mostravam ainda o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como um líder empresarial “terrorista”, ao lado de figuras como Osama Bin Laden.

O ex-secretário da Educação britânico, Gavin Williamson, criticou duramente essas abordagens acadêmicas: “É completamente inadequado e uma comparação chocante”, afirmou.

O debate sobre “decolonização” literária levanta questões importantes sobre como analisar obras clássicas escritas em contextos históricos diferentes. Enquanto alguns defendem a necessidade de questionar representações problemáticas, críticos apontam que essa abordagem pode ignorar o contexto histórico e as intenções originais dos autores — no caso de Lewis e Tolkien, ambos cristãos que trabalhavam com simbolismo teológico e mitológico profundamente enraizado na tradição cristã ocidental.

Com informações da Revista Oeste.

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