“A mais artística, a mais perfeita e a mais sofisticada realização da história mundial.”
Vladimir Nabokov
O livro A morte de Ivan Ilitch foi publicado em 1886, numa época mais avançada da vida de Tolstói. Ele já tinha alcançado sucesso com os clássicos Guerra e Paz (1869) e Anna Karenina (1877) e mergulhou nessa época em uma reclusão voltada para contemplação religiosa e, mesmo sem a aprovação dos seus amigos e familiares, decidiu viver num mosteiro. Alguns anos antes, em 1883, o escritor Ivan Turguêniev, amigo íntimo de Tolstói, lhe escreve uma carta, em seu leito de morte, onde cobrava ao companheiro uma volta para a literatura. Respondendo a este pedido, Tolstói pôs no papel a história de um burocrata chamado Ivan Ilitch Golovin, que passou toda sua vida buscando o apreço da sociedade, e que em seu leito de morte buscou o significado de sua vida.
Essa busca pelo sentido da vida já havia sido tratada pelo autor em um livro anterior, com destaque para as incessantes buscas de Pierre em Guerra e Paz e de Levin em Anna Karenina, este último considerado como personagem quase autobiográfico do escritor russo. Mas neste caso, Tolstói opta por uma abordagem mais psicológica e intimista que detalha ao leitor uma evolução interna do personagem principal enquanto os personagens a sua volta quase não notam o processo pelo qual Ivan está passando.
Depois desse breve flashfoward (visão do futuro), nos são expostas as origens de Ivan e sua vida profissional. Note-se que o desfecho já anunciado é de relevância mínima. O que se pretende e que te prende é a narrativa de Tolstói e sua construção psicológica do personagem.
Após um certo tempo, Ivan passa a ver o casamento como uma opção viável e conveniente para continuar escalando socialmente e, sem nenhum sentimento amoroso ou sequer amistoso, se casa com a jovem Praskovya Fiodorovna, uma moça que ele encontra bonita, porém superficial. Mas a relação entre os dois não aguentou as provas do dia-a-dia, e para fugir de suas obrigações domésticas como esposo, Ivan se joga cada vez mais ao trabalho. Que ele considerava um lugar bastante prazeroso em contraste com sua casa. Os anos passam, e Ivan segue sua vida sem ideias próprias, apenas seguindo o ritmo ditado pela correnteza e tentando chegar cada vez mais alto no baralho de cartas que é a vida material. Como o único apego que tinha era o trabalho, ele até tratava seus colegas com bastante cortesia, mas nunca entabulou nenhuma relação amistosa com eles. Em resumo, Ivan era ambicioso, vaidoso, frívolo e pragmático.
“Não era um adulador, nem quando menino, nem quando homem feito, porém, desde a infância, sentira-se naturalmente atraído pelas pessoas que ocupavam posição elevada na sociedade, tal como mariposas pela luz, e assimilava-lhes as maneiras e as opiniões, forçando ainda relações amistosas com elas.”
Depois de um período mudando de cidades e empregos, ele consegue um trabalho de renda superior, e sua esposa, que antes brigava constantemente com ele, começa tratá-lo amistosamente (e ele acha isso o máximo!).
Com um ânimo no casamento renovado e essa nova fonte de recursos, ele decidiu comprar uma casa nova. E começa a botar a mão na massa pra deixar seu futuro lar o mais luxuoso possível para mostrar a sociedade e o mais agradável possível para sua esposa.
O livro A morte de Ivan Ilich foi publicado em 1886, mas sua mensagem chega até os dias de hoje. Ivan sentia uma necessidade profunda de atenção e viveu sua vida em busca de superficialidades como forma de preencher de alguma forma o vazio que preenchia o seu coração. Viveu segundo o que fosse ditado pela sociedade, e se vangloriava quando era aceito pelos seus pares. Era cínico e desapaixonado. Escolheu sua faculdade e seu casamento como formas de agradar seus companheiros e ganhar destaque social.
Mas, de que adiantou a Ivan juntar tudo aquilo se não pôde levar nada quando lhe veio a morte?
“Por que o Senhor fez isso comigo? Por que me fez chegar até esse ponto? Por quê? Por que torturar-me tão horrivelmente? (…) [Ivan pensou] ’E se na verdade toda a minha vida tiver sido errada?”
Felizmente, sua história não terminou neste tom escuro. Um dia ele estava escolhendo as cortinas para a casa e resolveu subir numa cadeira para colocar na janela. Mas de repente cai e suas dores ficam cada vez mais fortes. Depois que ele cai da cadeira, o juiz se põe a julgar sua própria vida e reflete sobre sua família, a natureza, o sentido da existência e de Deus. Ele descobre nos seus últimos momentos que o sentido da vida não está no número de imóveis que ele conseguiu acumular, nem no estilo de móveis que ia colocar em sua casa, nem como a sociedade olharia para ele se tivesse a melhor casa da região, e sim no sincero sentimento do amor que um humano pode milagrosamente ter pelo outro.
Ao ver seu filho chorando correndo em sua direção, ele finalmente se dá conta do vazio de sua vida. E o sentimento negativo foi substituído por um sentimento positivo. E agora via que o único caminho a seguir era o do carinho e da generosidade para com os próximos, a começar por sua família.
Esta é a simples e poderosa mensagem que Ivan nos deixa. Acordemos antes de seja tarde.